Por Amauri Perusso*
O Brasil encontra-se num momento de expectativas, depois do resultado eleitoral favorável ao Presidente Lula, que reestabeleceu a normalidade democrática e tendo vencido uma grave agressão – com a invasão dos prédios dos poderes da República, em Brasília, STF, Congresso Nacional e Palácio Presidencial, no dia 08 de janeiro – naquilo que muitos classificam como tentativa de Golpe de Estado.
Matérias importantes, que exigirão alterações legislativas, que afetarão muito a atuação do setor público e a população como a) Regime Fiscal Sustentável (PLP 93/2023, que mantém o teto de gastos, criando uma pequena banda de variação para despesas), b) Reforma Tributária (com duas Emenda Constitucionais, no Congresso Nacional – EC 45/2019 e EC 110/2019) objeto de debates e de intensa resistência daqueles que acumulam a riqueza e que não querem nem ouvir falar em serem tributados (lucros, dividendos e grandes fortunas) e c) Reorganização e Financiamento da Estrutura Sindical (ainda em debate entre as Centrais Sindicais e o Governo) deverão ser decididas em 2023.
Cabe registrar que não existe democracia real sem a atuação sindical, livre, com recursos e organizada. O desequilíbrio das relações sociais, pendendo hoje para autorizar, somente, a pressão política do sistema financeiro (denominado mercado) eliminará a democracia.
Desde o “ocupe Wall Street*” (ocorrido em setembro de 2011) alcançamos, no ocidente, consciência coletiva de que os muitos ricos “capturaram o Estado e sequestraram a democracia”.
*Ocupe Wall street é um movimento de protesto contra a desigualdade econômica e social, a ganância, a corrupção e a indevida influência das empresas — sobretudo do setor financeiro — no governo dos Estados Unidos. Iniciado em 17 de setembro de 2011, no Zuccotti Park, no distrito financeiro de Manhattan, na cidade de Nova York, o movimento ainda continua, denunciando a impunidade dos responsáveis e beneficiários da crise financeira mundial.
De 21 a 23 de abril de 2023 decorreram em Madrid **jornadas internacionais contra as dívidas ilegítimas e os fundos abutre. Participantes de diversos sectores e países abordaram de maneira crítica o problema da dívida e dos fundos abutre, a fim de fazer um diagnóstico, trocar experiências e encontrar soluções para os problemas identificados e suas consequências.
Os participantes destacaram que a Comissão Europeia (CE) propõe a retomada do Pacto de Estabilidade e Crescimento (PAC), que se trata de um pacto sacrossanto de não superar 3% em déficit das contas públicas e 60% do PIB, em dívida pública, em nome da estabilidade e da economia europeia e do euro.
Vejamos um pouco do manifesto:
– Em relação à dívida, exigimos: O fim das políticas de austeridade impostas em nome do pagamento da dívida às instituições financeiras internacionais e aos estados, bem como o fim das políticas extrativistas e coloniais impostas pelos planos de ajustamento estrutural.
– Pôr fim à impunidade das evasões fiscais, com a generalização do intercâmbio automático de dados bancários e fiscais, além da supressão definitiva do segredo bancário, para que os estados possam conhecer e capturar os fundos ocultos em paraísos fiscais.
– Procurar recuperar a soberania dos estados face ao poder do mercado, por meio de um sistema de impostos sobre os rendimentos fortemente progressivo.
No Brasil, naquilo que a imprensa apelidou de “novo arcabouço fiscal”, que na essência segue a visão fiscalista, atendendo um mito de que o Estado não pode gastar mais do que arrecada (devendo sobrar dinheiro, no determinado superávit primário = gastar no máximo 70% no eventual crescimento da arrecadação) permanecendo inalterado o sentido de colocar o pagamento de juros e rolagem da dívida pública como prioridade no gasto, mantendo-se as elevadíssimas taxas de juros reais que produzem recessão ou baixo crescimento econômico – e desemprego – destruindo o mercado interno, o que impede o desenvolvimento do País. Esse comportamento capturou o pensamento nacional.
A conclusão seguinte – do manifesto – é aplicável ao debate sobre autonomia do Banco Central Brasileiro:
**Foi uma iniciativa organizada pela Plataforma contra os Fundos Abutre, que integra a auditoria cidadã para o sector da saúde, El Pueblo que Queremos, ATTAC Espanha, a Coordenadora de Vivienda de Madrid, CADTM, Ecologistas em Acción, FRAVM y Observatório CODE. Contaram com a participação da Fundação Rosa Luxemburgo e a Plataforma Auditoria Cidadã da Dívida (PACD). www.cadtm.org/Manifesto-de-Madrid-contra-a-Divida-Ilegitima-e-as-Accoes-dos-Fundos-de
– Pôr o Banco Central Europeu ao serviço do interesse geral (e não dos mercados), o que exige prioritariamente submeter ao controlo democrático o BCE, responsável pela política monetária e a supervisão bancária, revogando a proibição de os estados e governos pedirem empréstimos aos seus bancos centrais.
Como se vê, a questão da dívida e a falta de auditagem, é universal. A tentativa de subordinar Países e Povos aos domínios do grande capital e, notadamente, ao capital especulativo, também.
“Pra não dizer que não falei das flores”, caminhando e cantando com Vandré, indispensável uma palavra de apoio ao controle democrático das redes sociais para determinar substantiva redução das Fake News e mensagens de ódio que tomaram conta desses ambientes. O que está em discussão é o domínio do pensamento de mulheres e homens.
Diretor de Relações Internacionais da PÚBLICA – Central do Servidor, Vice-Presidente da CONACATE e Presidente da FENASTC